segunda-feira, 23 de julho de 2012

Uma lata por um livro


Crianças são as grandes frequentadoras da biblioteca. Foto: Rosilene Miliotti
Crianças são as grandes frequentadoras da biblioteca. Foto: Rosilene Miliotti

do Observatório das Favelas
por Silvana Bahia

O que fazer com latinhas de refrigerante, sacolas plásticas, óleo de cozinha usado e garrafas pet? Existem diversos destinos para esses materiais depois de usados, mas na Maré, precisamente na Vila do Pinheiro, os recicláveis podem ser trocados por livros na Livraria Ecológica. Inaugurada em novembro de 2010, em oito meses de funcionamento, a livraria já distribuiu mais de 90 mil livros.

Aberta de segunda a sexta de 9h às 17h, a livraria caiu no gosto dos moradores da Maré e de pessoas de diferentes lugares da cidade, como contou Demésio Batista, idealizador e coordenador do projeto. “Vem gente de toda parte da Maré, mas tem muita gente de fora também. Vem gente de tudo quanto é lugar, Parque União, Salsa e Merengue, Nova Holanda, Bonsucesso, Olaria, Ramos. Recentemente, um rapaz viu o nosso blog e veio trocar livros. Ele é professor de arquitetura e mora na Zona Sul, trouxe as latinhas e saiu daqui feliz da vida”, disse Demésio, que há quinze anos monta bibliotecas em espaços populares.

A ideia de montar uma livraria surgiu do trabalho no projeto Fábrica de Bibliotecas, que teve início no Grajaú. As bibliotecas eram montadas, mas não havia manutenção adequada. “Montamos bibliotecas em muitos lugares, mas uma vez abrimos uma em Vila Isabel e, durante três meses, só 18 pessoas foram lá. Percebemos que abrir a biblioteca por abrir não era legal”, conta Demésio.

Incentivar à leitura foi o objetivo principal para construção da Livraria Ecológica. A proposta é fazer com que as pessoas se aproximem dos livros. “O projeto tem a meta de formar leitores primeiro e depois montar a biblioteca. Aqui, futuramente, vai ser uma biblioteca, onde as pessoas poderão ficar para ler os livros ou levá-los. Nós pensamos: ‘se as pessoas não vão à biblioteca, a biblioteca vai até as pessoas’”.


Depois de trocados pelos livros, os materiais recicláveis tem destino certo. As latinhas são vendidas e o dinheiro é usado para abastecer o carro que busca doações em qualquer parte do Rio de Janeiro. As garrafas pet e as sacolas plásticas são doadas para uma instituição na Nova Brasília que as transformam em instrumentos musicais e móveis, estimulando assim o trabalho em rede.

A Livraria Ecológica também promove feiras de livros nas escolas municipais, por meio da parceria com o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável - CIEDS Bairro Educador. A ideia é que a livraria se torne itinerante, alcançando um número cada vez maior de pessoas. A primeira cliente da livraria foi dona Marli Faria, moradora da Vila do Pinheiro desde que a favela existe. Ela trabalhou durante dez anos alfabetizando alunos através de um projeto promovido pela Igreja Católica. “Sou professora e sempre gostei muito de ler, assim que abriu comecei a frequentar a livraria. Acho uma iniciativa ótima, principalmente para as crianças que abraçaram o projeto”, comentou dona Marli, que já trocou mais de 20 livros.

Crianças e adolescentes são os que mais trocam livros


“Vem gente de toda parte da Maré, mas tem muita gente de fora também", conta Demésio Batista. Foto: Rosilene Miliotti
“Vem gente de toda parte da Maré, mas tem muita gente de fora também", conta Demésio Batista. Foto: Rosilene Miliotti

O público que frequenta a livraria é de todas as idades, mas, sem dúvida, as crianças e os adolescentes são os maiores frequentadores. Na hora da saída das escolas na Maré a livraria fica lotada. Demésio acredita que a troca estimula e valoriza o contato com os livros. “Se as pessoas entrassem aqui e levassem o livro sem trocar nada não daria certo, porque elas não teriam aquele prazer de comprar o livro. Por ser uma troca as pessoas dão mais valor. É como se o material reciclável fosse uma moeda. Tem criança que chega aqui com a bolsa cheia de latinhas e troca tudo”, contou.

Logo na inauguração do projeto, o interesse de dois adolescentes em especial chamou a atenção de Demésio pela quantidade de livros trocados por eles. O que o coordenador do projeto descobriu depois é que os dois estavam montando uma pequena livraria infantil em casa, que é aberta depois da escola, onde há inclusive rodas de leitura.

Patrícia Valéria Guimarães, professora em duas escolas na Maré, considera que a iniciativa contribui de forma decisiva para a formação das crianças e jovens. “Eles correm atrás das latinhas para trocar por livros. Inclusive os pais já comentaram que estão muito felizes porque as crianças estão lendo mais”, comentou a professora.

Rosinaldo Sales, morador da Maré há mais de 40 anos, descobriu a livraria andando pela favela. Estudante do curso de Direito, disse que a Livraria Ecológica é essencial para seus estudos. “Tem livros aqui que custariam de 80 a 100 reais nas livrarias e aqui eu consigo trocar por uma pet”, afirma o estudante. Os interessados em doar para a Livraria Ecológica podem entrar em contato através dos telefones: 8683342 / 99395332 ou pelo email ipam.mare@yahoo.com.br.


* Esta reportagem foi originalmente produzida para o Maré de Notícias.