quinta-feira, 5 de julho de 2012

Domínio do asfalto e do automóvel na paisagem de BH vira tema de estudo premiado


Arquivo Público de BH/Fundo Ascom
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Obras de subadutora no Ribeirão Arrudas, na Avenida Teresa Cristina, em agosto de 1954: cursos d´água cedem lugar ao asfalto


da UFMG 
Os canteiros do Boulevard Arrudas, festejados como obra de revitalização, escondem o último grande córrego do centro de Belo Horizonte. “As novas gerações possivelmente não saberão da existência do Ribeirão Arrudas”, afirma o historiador Yuri de Mello Mesquita, que acaba de ser premiado em evento internacional com pesquisa sobre as relações entre meio ambiente, desenvolvimentismo e saneamento básico na cidade.


O trabalho focaliza o período 1950-1973 e constata que a partir do final da década de 50 o automóvel tornou-se protagonista das políticas urbanas da capital, enquanto o asfalto passou a ser visto como obra de embelezamento. Mesquita destaca que, embora haja outras formas de lidar com o elemento natural no meio urbano – como ocorreu com os rios Sena, em Paris, e Tâmisa, em Londres, que foram tratados –, a concepção urbanística vigente em Belo Horizonte guarda aspectos semelhantes à da década de 1960, quando os cursos d’água foram canalizados para aumentar as áreas asfaltadas.

A pesquisa apresenta a hipótese de que o processo de ocultamento dos rios, que se ampliou nas décadas seguintes, ligou-se a projeto desenvolvimentista mais amplo, que tem o automóvel como foco e foi financiado por órgãos internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial. De acordo com Mesquita, apesar da “cor local”, o caminho de desenvolvimento aqui adotado pode ser percebido em diversas partes do mundo a partir dos anos 1920, principalmente na Europa e nos Estados Unidos, e, posteriormente, em cidades latino-americanas que passaram por processo de crescimento acelerado. “O caso de Belo Horizonte oferece oportunidade exemplar para discutir as relações entre política, sociedade e natureza”, defende.

Indesejados e sujos

Projetada no fim do século 19 para ser a capital de Minas Gerais, Belo Horizonte foi planejada sem que se levasse em consideração a topografia e a hidrografia da região, afirma Yuri Mesquita. “O traçado irregular dos rios não era compatível com as ruas retilíneas pretendidas pelos projetistas, o que levou à primeira intervenção nos cursos d’água”, relata, lembrando que o esgoto também era despejado nos córregos sem qualquer tipo de tratamento. “À medida que a cidade crescia, o volume dos dejetos também aumentava, poluindo cada vez mais as águas das bacias dos rios Arrudas e do Onça”, informa.

Tal processo transformou os córregos em locais de despejo de lixo, que passaram a ser vistos pela população como “indesejados e sujos”. Segundo Mesquita, as inundações provocadas pelo assoreamento dos rios e pelo desvio de seu curso natural também contribuíram para essa imagem. Assim, as obras de canalização foram vistas “como a grande solução desses problemas, ao mesmo tempo em que serviriam a outro propósito: a ampliação do asfalto para a melhoria do fluxo de automóveis”, conta o pesquisador, que teve como principais fontes de informação jornais, entrevistas, relatórios e fotografias publicados em órgãos oficiais do município.
Ele comenta que as obras de asfaltamento e alargamento de ruas tinham muito destaque nas propagandas em jornais e nos relatórios de prefeitos. Convertido em símbolo do progresso, o asfalto “passou, de forma autoritária, por cima de quase tudo o que havia no caminho, incluindo árvores, moradores de regiões desapropriadas e rios”, reitera Mesquita. A chamada cultura do carro se ampliou no governo Juscelino Kubitschek, de 1951 a 1956, quando Minas Gerais construiu mais de três mil quilômetros de estradas. Nesse modelo, a base do transporte passa a ser o automóvel.
Historiador do Arquivo Público da Cidade de Belo Horizonte, Yuri Mesquita enxerga as mesmas concepções nas políticas urbanísticas atualmente adotadas, a exemplo do sistemático alargamento de ruas, da canalização de córregos e do caráter seletivo de obras, sempre privilegiando as áreas mais ricas. Embora os córregos extintos não possam voltar a integrar a paisagem urbana, Mesquita acredita que tais escolhas devem ser vistas como caminhos a serem evitados por outras cidades e nas poucas regiões de periferia da capital onde ainda há córregos.

Prêmio

Intitulado Jardim de asfalto: meio ambiente, desenvolvimentismo e saneamento básico em Belo Horizonte, 1950-1973, o estudo desenvolvido por Yuri Mesquita integra seu projeto de mestrado, orientado pela professora Regina Horta, do Departamento de História. A pesquisa foi uma das duas premiadas no início de junho, no VI Simpósio da Sociedade Latino-americana e Caribenha de História Ambiental, em Villa de Leyva, Colômbia. O outro trabalho agraciado é de autoria de estudante de doutorado da Argentina.

Graduado em História pela UFMG, Mesquita atua nas áreas de História e Culturas Políticas e História Ambiental Urbana e participa dos projetos de pesquisa História e natureza, coordenado por Regina Horta Duarte, e Águas passadas: as memórias sobre enchentes e o processo de territorialização às margens do Rio Doce em Governador Valadares (1979-1997), coordenado pelo professor Luís Henrique Assis Garcia.
(Ana Rita Araújo)
Fonte: Boletim UFMG, edição 1781