quinta-feira, 12 de julho de 2012

Consequências do milho transgênico na fauna de besouros é tema de pesquisa


Cerca de 1.500 besouros foram coletados em uma região que apresenta grandes áreas de monocultura, no município de Campos Novos (SC)

da notícias UFSC
Pesquisa do Laboratório de Ecologia Terrestre Animal, ligado ao Centro de Ciências Biológicas da UFSC, demonstrou uma alteração na fauna dos besouros escarabeíneos em fragmentos de florestas de Mata Atlântica no município de Campos Novos (SC), em meio a culturas de milho transgênico. O estudo foi desenvolvido durante o mestrado de Renata Calixto Campos, junto ao Programa de Pós-Graduação em Ecologia.
Os escarabeíneos são organismos importantes na renovação de nutrientes dos ecossistemas tropicais. Estes insetos se alimentam de matéria orgânica em decomposição (fezes de animais e carcaças) e regulam propriedades físico-químicas do solo.
Além disso, são bons indicadores de diversidade, pois transformações ambientais provocam mudanças na estrutura e composição de suas comunidades. Alguns deles possuem alta especificidade, sendo muito influenciados pela fragmentação e perda de habitat.
Esses besouros são divididos em pelo menos três grupos funcionais: os rodadores (que rolam esferas de alimento sobre a superfície até uma certa distância da fonte e depois as enterram), os escavadores ou tuneleiros (que transportam o alimento para dentro do solo criando túneis) e os residentes (que não reservam o alimento).
Renata constatou que, em meio a áreas de plantação de milho transgênico, os fragmentos florestais apresentaram uma predominância de besouros do tipo residente. Em meio ao milho convencional foram detectados mais escarabeíneos tuneleiros.
De acordo com a pesquisadora, com a diminuição dos besouros tuneleiros pode haver perda na remoção das fezes animais, na dispersão de sementes, na incorporação de matéria orgânica e na regeneração das florestas – com uma modificação do papel destes insetos no ecossistema.
“O uso de plantas transgênicas ou geneticamente modificadas pode ser uma alternativa à aplicação de inseticidas no controle de pragas na agricultura, mas o efeito dos transgênicos sobre a cadeia alimentar é pouco conhecido”, alerta a pesquisadora.
Renata lembra que a maior parte dos trabalhos associando os organismos geneticamente modificados e as cadeias alimentares foram realizados em laboratórios, submetidos a condições controladas. “Isto pode trazer consequências a longo prazo, é preciso um estudo profundo de campo também”, complementa a orientadora de Renata e coordenadora do Laboratório de Ecologia Terrestre Animal Malva Isabel Medina Hernández.
Coletas
Durante fevereiro de 2011, em Campos Novos, região que apresenta grandes áreas de monocultura, Renata coletou cerca de 1500 besouros. As armadilhas com iscas de fezes e carnes foram colocadas em 20 fragmentos de florestas – 10 em meio a milho convencional e outras 10 em meio a milho transgênico.

Para Renata, o tamanho, a complexidade e a distância entre fragmentos podem influenciar nas diferenças encontradas nas comunidades de besouros. No entanto, essas características não explicam as alterações constatadas. “Foram encontrados fragmentos de tamanhos pequenos, médios e grandes em igual número, tanto nas áreas de plantação de milho convencional, quanto de milho transgênico. A mesma coisa aconteceu com as distâncias e a complexidade. Todos os dados de ambos os cultivos, quando comparados, apresentaram condições semelhantes”, explica.
A escolha dos fragmentos estudados foi realizada com o apoio da Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) e da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri/Campos Novos). Estas instituições também colaboram com alojamento e auxiliaram Renata no contato com os agricultores. Este apoio foi obtido por meio de parceria científica com o professor do Departamento de Fitotecnia Rubens Nodari, que estuda organismos transgênicos.
Diversidade
Os escarabeíneos compreendem 7 mil espécies em todo o mundo. Por isso, além de detectar possíveis impactos na cadeia alimentar decorrentes do desflorestamento da vegetação nativa e do uso de transgênicos, Renata classificou os besouros capturados.  Somente na área estudada foram encontradas 33 espécies, algumas delas, como Deltochilum riehli e Malagoniella virens, são raras.

Os besouros foram levados para o laboratório para pesagem e identificação. O resultado do levantamento foi confirmado pelo professor Fernando Zagury Vaz de Melo, da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), especialista em taxonomia. O material coletado está depositado nas coleções entomológicas da UFSC e da UFMT.
A riqueza e abundância de espécies de escarabeíneos são fortemente afetadas em ambientes de mata secundária (vegetação que cresce depois da nativa ser retirada). A área estudada em Campos Novos, mesmo se caracterizando por ser uma região com a Mata Atlântica fragmentada em meio a monoculturas, ainda tem uma grande diversidade de escarabeíneos. “As informações trazidas pelo estudo podem fortalecer a manutenção de áreas de conservação em regiões onde a atividade humana ameaça o que resta de Floresta Ombrófila Mista, o tipo de floresta de Campos Novos, e a biodiversidade associada a ela”, ressalta a professora Malva Isabel Medina Hernández.
A pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) resultou em dois artigos que serão submetidos a duas revistas científicas indexadas, a Revista Brasileira de Entomologia e a Revista PloS ONE.
Renata já pensa no doutorado. Ela pretende estudar as alterações na comunidade de escarabeíneos, tanto em trabalhos de campo como no laboratório. Além disso, avaliar os possíveis impactos de cultivos transgênicos em organismos não-alvo por meio da cadeia alimentar, comparando o efeito do tipo da plantação na composição e na estruturação das comunidades de mamíferos e de escarabeíneos. Renata irá investigar ainda as causas das alterações encontradas durante a pesquisa de mestrado nos escarabeíneos em meio aos cultivos de milho transgênico.
Por Ana Luísa Funchal / Bolsista de jornalismo na Agecom
Foto: Brenda Thomé/ Bolsista de jornalismo na Agecom