quinta-feira, 21 de junho de 2012

A vez dos estudos populacionais

Abep lança livro que debate questões ligadas à sustentabilidade

do Jornal da Unicamp
Enquanto transcorre a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que vai até 22 de junho na cidade do Rio de Janeiro, a Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep) lança um livro que traz importantes contribuições para o debate acerca dos problemas relacionados às mudanças ambientais globais. A obra, editada pelo professor George Martine e coorganizada por Ricardo Ojima, Alisson Flávio Barbieri e Roberto Luiz do Carmo, reúne uma série de artigos escritos por especialistas de diferentes áreas, tanto de dentro quanto de fora da comunidade científica. “O livro pretende oferecer reflexões que ajudem na formulação de uma agenda brasileira, mas também tem a pretensão de estabelecer um diálogo mais amplo com a sociedade”, afirma Martine.


Intitulado População e Sustentabilidade na era das mudanças ambientais globais, o livro apresenta textos escritos em linguagem acessível a todos os interessados na temática, conforme Martine. “Estamos num momento da humanidade em que as pessoas de bem e a comunidade científica precisam contribuir para a discussão em torno das questões relativas às mudanças ambientais. Na área da população, nós temos produzido muitos trabalhos, mas que infelizmente repercutem apenas dentro da própria academia. Nós não temos tradição de divulgar nossas pesquisas de maneira mais ampla. Este livro tem a ambição de estreitar esse contato com a sociedade”, explica.
A partir dessa premissa, Martine convidou especialistas de diferentes áreas para produzir os artigos. Entre os autores estão, além dos próprios editor e coorganizadores, nomes como Haroldo Torres, Leonardo Freire de Mello, José Eustáquio Alves, Bernardo Lanza Queiroz, Márcia Castro, Suzana Cavenaghi, Rubens Ricupero, Antônio Gois, Kazuo Nakano e José Marcos Pinto da Cunha, atual presidente da Abep e pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. Eles tratam de 20 assuntos considerados críticos, divididos em quatro grupos temáticos: Demografia, Economia e a Sociedade Sustentável; Cidades, Culturas e Mudanças Climáticas; Avanços e Desafios nas Regiões de Ocupação Mais Recente; e Quo Vadis? As Trilhas e os Compromissos do Futuro. A orelha do livro é assinada pela ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Dentro dessas linhas mais gerais, os especialistas abordam questões como a queda da fecundidade das mulheres brasileiras, a equidade de gêneros, a transição urbana, as implicações da construção a Usina de Belo Monte, entre outras. “São pontos geradores de impacto, inclusive sobre os hábitos de consumo, que por sua vez têm sido determinantes para a degradação ambiental. Quando se fala de população, a ideia geral é de que estamos tratando somente do número absoluto de habitantes de um dado país ou mesmo do planeta. Este é um aspecto importante, mas não é o único. A relação dessa população com o ambiente é outra dimensão fundamental que precisa ser explicada. Desse modo, nós procuramos explicitar nos artigos as várias faces desse relacionamento”, detalhe Martine.
Dito de modo simplificado, os autores abordam em seus textos assuntos que estão presentes diariamente nas páginas dos jornais brasileiros, como a crescente dependência das pessoas do automóvel, mercado de trabalho, desastres ambientais, desmatamento, novo Código Florestal e consumo de água. “Trata-se, por assim dizer, de um caleidoscópio constituído por uma série de visões sobre uma problemática que deve merecer atenção por parte de todos nós”, considera o editor do livro. Uma das questões de fundo tratadas na obra, prossegue Martine, diz respeito à adoção da chamada economia verde como alternativa ao modelo de desenvolvimento atual. “Esta não é, obviamente, uma tarefa trivial. Afinal, todo o crescimento econômico mundial gira em torno do consumo”, reconhece o cientista.
Ainda segundo o editor do livro, a maioria dos debates sobre as formas de reduzir a pobreza mundial está centrada na ideia de que é preciso ampliar a produção, que por sua vez estimularia o aumento do consumo, que geraria novos postos de trabalho e mais renda à população. “Sem dúvida, esse modelo foi responsável pela melhoria das condições de saúde, alimentação e bem-estar das pessoas nos últimos 50 anos. Ocorre, entretanto, que tudo isso foi conquistado à custa da exploração desmedida dos recursos naturais. Nós já estamos em dívida com o planeta. Ou seja, esse processo pode funcionar até determinado momento. Depois, ele se torna desastroso. Muitos cientistas consideram que já atingimos esse ponto”, diz.
Martine observa que a maioria dos cientistas acredita que a economia verde, fundada no conceito de sustentabilidade, seria melhor do que o sistema econômico atual. “Mas, as pessoas do mundo inteiro, movidas pela cultura do consumo, vinculam o sentimento de felicidade à aquisição sistemática de bens como roupas, sapatos, carros etc. Se continuarem consumindo, nos mesmos padrões e quantidades crescentes, vai ser difícil melhorar os problemas ambientais. Mesmo na economia verde, gastam-se energia e recursos naturais. Mas, convenhamos, mudar os  padrões de consumo não é algo fácil de ser promovido”, reconhece o pesquisador.
Rio+20
Questionado sobre que expectativas a sociedade pode ter em relação às possíveis deliberações da Rio+20, Martine assinala que existem muitas desconfianças em torno da conferência. De acordo com o editor do livro, as suspeitas decorrem do fracasso de outros encontros do gênero, os quais não geraram grandes compromissos dos Estados nacionais, por exemplo, com a adoção de metas de redução da emissão de gases causadores do efeito estufa. “Atualmente, inexiste vontade política por parte das autoridades mundiais direcionada à adoção de metas obrigatórias. Pessoalmente, não creio que a conferência resulte em grandes avanços na defesa do ambiente. A esperança é de que haja uma suficiente movimentação da sociedade, para que a consciência ambiental cresça. É com esse objetivo, até certo ponto quixotesco, que estamos lançando esse livro”, pontua.
A posição de Martine é compartilhada por Roberto Luiz do Carmo, um dos coorganizadores da obra. De acordo com ele, as atividades paralelas à Rio+20, que contarão com a participação de entidades representativas da sociedade civil, é que oferecem melhores perspectivas de que os temas mais prementes relacionados às mudanças ambientais sejam tratados de forma aprofundada. “Estamos diante da necessidade de alterarmos nosso paradigma de desenvolvimento. Ora, isso não pode ocorrer somente pelo desejo de um determinado grupo ou mesmo pela iniciativa dos estados nacionais, que, diga-se, estão comprometidos com o modelo que aí está. Quem tem esse potencial é a sociedade civil organizada”, defende.
Nesse sentido, diz Carmo, a Rio+20 pode ajudar a criar um ambiente favorável à formulação de reflexões mais densas acerca de temas inadiáveis, tais como o futuro das novas gerações e a equidade social. O presidente da Abep, José Marcos Pinto da Cunha, afirma que a entidade está muito satisfeita com o livro, que traz para o debate questões ligadas aos estudos populacionais, que foram esquecidas no documento preparatório da conferência, ainda em discussão por parte dos organizadores. “Diferentes áreas da ciência se posicionaram anteriormente sobre os temas que serão tratados na Rio+20. Agora, é a vez de os pesquisadores envolvidos com os estudos de população oferecerem a sua contribuição. Trata-se, obviamente, da visão específica de um segmento, mas que vem se somar às posições já colocadas”.
Pinto da Cunha destaca a capacidade que Martine e os coorganizadores tiveram de reunir tantas pessoas diferentes para escrever os artigos. Os autores, sublinha, fizeram um grande empenho para produzir textos que fugissem dos termos excessivamente científicos. “Penso que isso deve facilitar a nossa comunicação com o conjunto da sociedade. Também desejamos que o livro possa repercutir de algum modo na Rio+20 e nos países da América Latina. É papel da ciência e da academia contribuir para esclarecer a população, inclusive no que diz respeito a algumas falsas verdades que são reproduzidas por aí”, acrescenta. Segundo ele, a obra será lançada oficialmente nos próximos dias, em Belo Horizonte. “Também queremos fazer um lançamento em Campinas”, adianta.
Serviço
Título: População e Sustentabilidade na era das mudanças ambientais globais
Realização: Associação Brasileira de Estudos Populacionais (Abep)
Editor: George Martine
Coorganizadores: Ricardo Ojima, Alisson Flávio Barbieri e Roberto Luiz do Carmo
Apoio: Fundação Carlos Chagas