quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

O papel da educação ambiental no processo de mobilização em defesa do Código Florestal

da UFSCAR/CLICKCIÊNCIA

Por Mayla Willik Valenti, Amadeu Logarezzi, Valéria Ghisloti Iared, Natália Salan Marpica*
Quando se fala em educação ambiental muitas pessoas pensam em mudanças de comportamento individuais, como a separação do lixo reciclável, a economia de água ou o plantio de árvores. Obviamente essas são ações importantes que estão presentes no cotidiano de qualquer pessoa. Porém, muitas/os educadoras/es ambientais acreditam que elas não são suficientes. Isso porque os objetivos da educação ambiental podem ser maiores do que apenas a mudança de comportamento das pessoas.

A educação ambiental crítica e transformadora tem como objetivo contribuir com uma transformação profunda das relações entre os seres humanos e entre estes e a natureza. Essas mudanças devem ser no sentido de diminuir as desigualdades sociais, promover a democracia verdadeira e, ao mesmo tempo, manter um ambiente equilibrado, respeitando todas as formas de vida. Essas transformações não se fazem pelo movimento individual, mas por ações coletivas.

  • Educação Ambiental: Processo político, democrático e participativo.
A partir dessa perspectiva, o primeiro passo das/os educadoras/es ambientais brasileiras/os no momento deve ser apresentar e discutir o tema da proposta de mudança do Código Florestal em suas práticas educativas. Esta parece uma indicação desnecessária, mas, na prática, é possível encontrar diversas situações em que assuntos considerados óbvios não são abordados. Se esse tema simplesmente não aparece de forma explícita, ele pode também não ter relevância na vida das/os educandas/os que deixam de receber informação a esse respeito e deixam de aprender como aplicar conhecimentos específicos dessa temática e de construir sentidos nesse contexto. Com isso, perdem oportunidade de discutir e participar de ações concretas de importante impacto social e ambiental, deixando assim de desenvolver uma ética da responsabilidade cidadã.

Ao abordar o tema, é necessário ter em mente que as questões ambientais não se restringem aos conhecimentos biológicos ou ecológicos. A relação entre os seres humanos e a natureza e entre os próprios seres humanos envolve muitos outros aspectos como os sociais, econômicos, políticos e culturais que constantemente interagem de maneira complexa e conflituosa. Dessa forma, os conhecimentos sobre os processos naturais devem estar associados aos demais contextos em que estão inseridos. Dizendo em outras palavras, é preciso conhecer como se constitui e como funciona a natureza, mas também como se constitui e como funciona a sociedade, sendo que estes são dois campos bem distintos do conhecimento, cujos repertórios devem ser objeto da educação ambiental.

Considerando que há uma diversidade grande de formas de se ver o mundo e de com ele se relacionar, a questão ambiental em geral envolve interesses divergentes, gerando conflitos. A proposta de mudança do Código Florestal ora em discussão no Senado Federal é um ótimo exemplo de como isso pode ocorrer. Resumidamente, temos, de um lado, o interesse do agronegócio em aumentar seus lucros e em manter uma forma de desenvolvimento pautada no desmatamento e uso irrestrito dos recursos naturais e, de outro, um movimento de defesa do Código Florestal que se baseia em argumentos como manutenção do Planeta para as futuras gerações, direito à existência de todas as formas de vida e proposta de um novo modelo de desenvolvimento. Para complicar a situação, esses interesses e conflitos nem sempre aparecem de forma explícita para a sociedade.

Sobre esse aspecto, a mídia exerce um papel importante. Tem-se difundido, por exemplo, que a mudança do Código Florestal tem o objetivo de beneficiar as/os pequenas/os produtoras/es. Assim, a imagem que se passa é que as/os defensoras/es da manutenção do código seriam ambientalistas fanáticas/os, que não se importam com essas/es pequenas/os agricultoras/es ou com a economia do País. Ao mesmo tempo, não se apresentam os reais argumentos do movimento de defesa do Código Florestal, muito menos os interesses particulares das/os grandes produtoras/es rurais na alteração da lei. Nesse sentido, o papel das/os educadoras/es ambientais é apresentar essa realidade complexa e permeada por conflitos de interesse, inclusive se posicionando em relação a ela. Para isso, as ações educativas, para além de abordarem conhecimentos sobre a natureza e sobre a sociedade, devem articulá-los com outras dimensões como os valores éticos e estéticos e a participação política no processo de ensino e aprendizagem. Sem essa articulação, aqueles conhecimentos se esvaziam de sentido.

O trabalho educativo com os valores atua no âmbito da sensibilização e do respeito em relação à sociedade e ao ambiente para a revisão das posturas e dos padrões vigentes. Além da complexidade e dos conflitos presentes nas questões socioambientais, pode-se trabalhar com os diferentes valores atribuídos à conservação da biodiversidade. Questões como "Por que queremos (ou não) conservar a natureza?" podem levar a reflexões profundas sobre as conexões entre os aspectos ecológicos e seus significados para a ciência, a tecnologia e a sociedade, propiciando o questionamento de informações apresentadas de forma normativa. A solidariedade é também um aspecto inerente à ética e é considerada fundamento para o trabalho coletivo em busca de soluções ambientais. A ética com a vida, em todas as suas manifestações, deve permear todo o processo educativo para, desta maneira, promover a valorização e o respeito às diferentes formas de vida e de se viver, de se expressar, de se comunicar e de se conhecer. Ou seja, devem-se conectar as abordagens das diversidades biológica e cultural.

Outro fator pouco discutido em ações educativas e intimamente associado à ética e à solidariedade são as diferenças no acesso aos elementos da natureza e na distribuição dos riscos ambientais pelos diferentes grupos sociais. Existem grupos que estão em condições de vulnerabilidade ambiental, devido aos preconceitos ou à desigualdade econômica a que estão submetidos. Deste modo, não se deve generalizar a humanidade, mas se considerar os contextos sociais e históricos que levam a diversas formas de relação entre os seres humanos e a natureza. No caso da discussão do Código Florestal, algumas perguntas são muito pertinentes, como: Quem se beneficiará com a mudança da lei? Quem sofrerá as consequências ambientais dessa mudança? Quem está mais protegido e quem está mais vulnerável?

Finalmente, a dimensão da participação política trabalha o exercício da cidadania, isto é, está relacionada à relevância da sociedade se organizar em um coletivo que reflita, construa e reivindique, possibilitando uma efetiva atuação política em busca de transformação concreta da realidade. Para tanto, é preciso conhecer as responsabilidades de cada instância da sociedade na busca por soluções de problemas ambientais. Dessa forma, as pessoas podem identificar quais são os espaços de participação e de luta que podem ocupar. Além disso, esse conhecimento permite a fiscalização pela população, o debate público e a cobrança social, consolidando a participação e a democracia. No caso mais específico do Código Florestal, vale lembrar que a legislação de um país é um instrumento ligado à cidadania e, portanto, ser conhecida e discutida por toda a população significa avançar no trato das questões ambientais presentes na sociedade brasileira. Nesse processo, um dos papéis fundamentais da educação ambiental é difundir a esperança de que as mudanças em direção a um mundo de sociedades sustentáveis são possíveis. Isso porque somos seres históricos e, como tais, somos capazes de mudar a realidade.

Muitas vezes esse movimento de luta é visto como idealista. Mas a palavra mais apropriada talvez seja utópico. A utopia é um sonho realizável. Como diz Paulo Feire, certamente difícil de ser alcançado, mas possível. Nesse sentido, é central que se cuide, na escola ou fora dela, das relações entre as pessoas, pois é interagindo com as pessoas por meio do diálogo que com elas nos sentimos no mundo e com elas dizemos o mundo para compreendê-lo e, dando sentido a essa compreensão, transformá-lo, transformando-nos pela educação de nós mesmos na relação interpessoal.

A nossa história no mundo mostra que muitos avanços foram conquistados por meio dos movimentos sociais, entre eles o ambientalista. A própria legislação ambiental brasileira, tida como das mais avançadas, e, mais recentemente, a existência de legislação específica de educação ambiental nos âmbitos nacional, estadual e municipal são exemplos disso. Não podemos ignorar que existem muitas forças opositoras à democracia, à justiça social, à conservação da biodiversidade. Mas os movimentos sociais e ambientais se colocam como uma importante pressão contrária a essas forças e são capazes de fazer diferença. Nesse sentido, a educação e em especial a educação ambiental são fundamentais. Como dizia Paulo Freire, não é a educação que vai promover todas as transformações necessárias no mundo, mas, sem ela, não é possível transformar nada. Segundo esse educador, que muito inspira o campo da educação ambiental, uma das potencialidades da educação é fomentar processos democráticos. Assim, nada mais democrático do que a sociedade discutir amplamente a elaboração de uma lei. E se democrático, também é, portanto, um ato educativo.


Mayla Willik Valenti é Bióloga, Mestre em Ecologia e Recursos Naturais pelo PPG - ERN / UFSCar e Doutoranda pelo mesmo Programa.

Amadeu Logarezzi é Engenheiro, Professor do Departamento de Engenharia de Materiais da UFSCar e Membro do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Ambiental (GEPEA / UFSCar)

Valéria Ghisloti Iared é Bióloga, Mestre em Ecologia e Recursos Naturais pelo PPG - ERN / UFSCar e Doutoranda pelo mesmo Programa.

Natália Salan Marpica é Tecnóloga em Saneamento Ambiental e Mestre em educação pelo PPGE / UFSCar.