sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Origem fora do cérebro


Estudo feito por pesquisadores da Unifesp e USP mostra que doença de Huntington pode ter origem no coração, reforçando tese de que não se trata de uma desordem puramente neurológica (Wikipedia)

Por Fábio de Castro/
Agência FAPESP

A doença de Huntington, considerada por muito tempo como um problema puramente neurológico, não tem origem exclusivamente no cérebro e, conforme apontam diversos estudos recentes, pode surgir primeiro em órgãos e tecidos periféricos e até mesmo em células não- neuronais.

Uma nova pesquisa liderada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) reforçou a tese da origem não-cerebral e não-neuronal da doença, demonstrando que a proteína causadora da doença de Huntington pode estar presente no coração.
O estudo foi apresentado em setembro no Congresso Mundial da Doença de Huntington, realizado na Austrália, e foi publicado em um suplemento especial da revista Clinical Genetics , dedicado exclusivamente ao evento.
De acordo com os autores, a nova perspectiva de uma origem não-cerebral e não-neuronal da doença sugere uma nova linha de investigação científica voltada para a busca de biomarcadores precoces da doença, a fim de antecipar o diagnóstico, propor estratégias mais eficazes de tratamento e aumentar a sobrevida dos pacientes.
A pesquisa corresponde ao doutorado de Fernando Vagner Lobo Ladd, que está sendo realizado na Unifesp com bolsa da FAPESP. Em 2009, Ladd já havia recebido por sua pesquisa, ainda em fase inicial, o Prêmio José Carlos Prates , concedido pela Unifesp aos melhores trabalhos apresentados durante o 12º Congresso do Programa de Pós-graduação em Morfologia.

A tese está sendo orientada pelo professor Antonio Augusto Coppi, responsável pelo Laboratório de Estereologia Estocástica e Anatomia Química (LSSCA), do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP, onde o trabalho tem sido efetivamente realizado.
Segundo Coppi, a doença de Huntington não pode mais ser tratada apenas como uma desordem puramente neurológica, uma vez que tem efeito e até origem em vários órgãos e tecidos periféricos, como coração – conforme demonstrado no estudo –, fibras musculares estriadas esqueléticas, ossos, testículos, pâncreas, sistema imune e sistema nervoso entérico e cardíaco.
“Existe um dogma entre os neurologistas que considera o cérebro como único local de origem desse tipo de doença. Mas sabemos que 30% dos pacientes com a doença de Huntington morrem de problemas cardíacos e não neurológicos. Por isso temos realizado estudos para entender a cronologia de surgimento e evolução da doença e como ela afeta o coração”, disse à Agência FAPESP.
A pesquisa, realizada com camundongos machos com dois meses de idade, demonstrou que a huntingtina, a proteína que está associada à doença, podia estar presente em células não nervosas no coração e, portanto, não é específica de neurônios.
“A doença causou nos animais estudados uma hipertrofia do coração e uma disfunção da inervação simpática do órgão. Acreditamos que a hipertrofia ocorra justamente para compensar a falha da inervação. Tudo isso pode levar a problemas cardíacos, explicando a grande porcentagem de pacientes com a doença que morrem de problemas cardíacos e não neurológicos”, disse.
Além de quebrar o dogma da origem exclusivamente cerebral, segundo Coppi, os novos estudos têm mostrado que a doença surge não só em neurônios, mas também em células não-neuronais.
“Existem neurônios em inúmeros órgãos fora do cérebro, como coração, intestino, pâncreas, traqueia, bexiga e fígado. Mas muitas vezes a doença surge em células que não são nervosas, mas fibras musculares do miocárdio, células do testículo e da medula óssea. Isso faz com que os pacientes desenvolvam doenças do coração, atrofia dos testículos e osteoporose, por exemplo”, explicou.
Ao buscar novos marcadores biológicos que possam antecipar o diagnóstico das doenças, os pesquisadores abrem caminho para novos tratamentos que possam retardar o aparecimento dos primeiros sintomas, ou prolongar a vida do paciente. Ainda não há perspectivas de cura para a doença de Huntington.
Segundo Coppi, de acordo com estudos mais atuais, quando um paciente apresenta atrofia muscular ou de testículos, em associação com o emagrecimento prograssivo, raramente esses problemas são relacionados ao início de uma doença neurológica.
“Como o câncer, a doença de Huntington tem uma fase silenciosa. A vantagem de saber que o problema pode ter origem em outros órgãos é que podemos revelar a doença ainda na fase silenciosa. Quanto antes ela for descoberta, maior a chance de tratamento”, disse Coppi.
O artigo Haemodynamic and design-based stereological assessment of the heart in 3-NP-induced mice , de Fernando Ladd e Antonio Augusto Coppi, pode ser lido por assinantes da Clinical Genetics em http://onlinelibrary.wiley.com