segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O que aprender com os Mebêngôkre-Kayapó


Pesquisador do Museu Goeldi apresenta os conhecimentos dos Caiapó
sobre o local que ocupam e a fauna e flora que os rodeiam

Agência Museu Goeldi 
“Eles é que deveriam nos ensinar”. É o que diz o pesquisador do Museu Goeldi, William Leslie Overal, sobre os oito mil integrantes do povo indígena Caiapó, que vivem em 14 aldeias nas proximidades do Rio Xingu, nos estados do Pará e Mato Grosso. “O conhecimento desse povo sobre a natureza é imenso e muito mais antigo que o nosso, por isso nós temos muito que aprender com eles”, completa.
Segundo o pesquisador, os Caiapó que se identificam como Mebêngôkre-Kayapó - conhecem e diferenciam os reinos animal e vegetal, as relações de interdependência entre esses reinos, fazem a classificação de animais e plantas, além de possuírem nomes para cada uma das espécies conhecidas. “Os Caiapó possuem profundos conhecimentos sobre a natureza, reconhecem os tipos de ambientes e possuem sistemas agrícolas e extrativistas de baixo impacto aos ecossistemas”, enumera William Overal.
Sobre o reino vegetal – A importância da natureza para esse povo, no entanto, não fica restrita às atividades de subsistência, como extrativismo vegetal, agricultura e caça, mas inclui a medicina, a mitologia e a sua organização social. Na agricultura, por exemplo, o pesquisador lembra que não são utilizados agrotóxicos, mas a produção é suficiente para todos. “É uma agricultura itinerante, que evoluiu ao longo dos anos. Hoje, eles praticam a policultura, fazem a reciclagem de matéria orgânica para fertilizar o solo, e dividem a área de plantio em ecozonas para prolongar a vida útil das roças”, conta.
Cada uma dessas ecozonas produz, então, determinados produtos com nomes específicos. As roças familiares (purus) produzem mandioca, batata doce e feijão; já as áreas de capoeira (ibê), produzem frutas, lenha, cipós e plantas medicinais. Além desses produtos, os caiapó produzem muitos outros, todos de diversas variedades cada, o que mostra o seu conhecimento sobre a agricultura e as espécies que cultivam. Segundo William Overal, apenas nas zonas de “Ilhas de Floresta” (apetes) são 120 espécies vegetais conhecidas, das quais 118 são utilizadas, seja na agricultura, na medicina, no adubo ou na alimentação.
Sobre o reino animal – Mas não é só às plantas que os conhecimentos dos Mebêngôkre-Kayapó se dirigem. No que diz respeito ao grupo dos artrópodes, por exemplo, o povo indígena reconhece 56 espécies de abelhas, 64 de formigas e 85 de vespas, conseguindo, ainda, distinguir algumas sub-espécies (todas com nomes específicos), o ciclo de vida (ovo, larva, pupa).
De acordo com o pesquisador, a diferenciação das espécies e sub-espécies é feita a partir do habitat e comportamento de cada animal. Seja na medicina ou veterinária indígena, na arte ou na mitologia do povo, são muitas as utilizações dos animais, já que eles também fazem a semi-domesticação de larvas de besouros, abelhas e vespas, além de papagaios e araras que lhes fornecem penas.
Mitologia – Mas a relação desse povo com as vespas (amuh) ou marimbondos, é diferenciada. O pesquisador explica: “Os caiapó se identificam com os marimbondos, cuja característica marcante é o forte ataque ao invasor do seu ninho. É por esse tipo de ataque que eles são um modelo de comportamento guerreiro para esse povo, que é conhecido por sua habilidade de guerrear”.
Também devido a essa forte ligação que os Mebêngôkre-Kayapó possuem com os marimbondos, é que os ritos de passagem de criança para jovem e, posteriormente, para adulto, são marcados por uma luta contra os “amuh”. “Para os caiapó, o universo é organizado como um vespeiro, dividido em favos”, lembra o pesquisador do Museu Goeldi, que afirma que o estudo desses conhecimentos deveria formar uma ponte entre o “urbano” e esses povos, para que ambos pudessem compartilhar suas experiências, aprender e se desenvolver de forma mais sustentável.
Vocabulário Caiapó
Agricultura
Puru - Roças familiares
Puru-ti - Roças do caciques
Krê-kri-bum - Jardins domiciliares
Ki-krê-ti - Clareiras na floresta
Apete - Ilhas de floresta no cerrado
Pry - Caminhos na floresta
Ken-pô-ti - Hortos em campo rupestre
Ibê - Capoeiras
Animais
Mrum – Formigas
Mrum krã-ti – Formigas saúvas
Rorot – Cupins
Amuh - Vespas e marimbondos em geral
Amuh-kamrenx – Vespas sociais, muito conhecidas e utilizadas na medicina, mágica e arte, como pintura corporal
Mehn-kam-amuh – Vespa que produz mel
Mehn – Abelhas em geral
Mingugu – Abelha africanizada que chegou em 1974
Wewe – Borboletas
Kopre – Moscas
Pute – Mosquitos
Mry-kaàk – Peixes em geral

Texto: Vanessa Brasil.