quarta-feira, 3 de novembro de 2010

MAPEAMENTO DA FAUNA AMAZÔNICA

Do Tapajós a Mamirauá, a ecologia de espécies as mais diversas
Ciência e formação de recursos humanos no mapeamento da fauna amazônica


Agência Museu Goeldi 

Ecologia e taxonomia de espécies amazônicas. De abelhas a peixes, passando por mamíferos e quelônios, além de moscas, borboletas e aranhas, diversas são as espécies e também as microrregiões contempladas pelos estudos apresentados no Seminário do Programa de Pós-Graduação em Zoologia, parceria entre o Museu Goeldi e a Universidade Federal do Pará, que aconteceu em Belém ao longo de toda a semana.
Mais de 60 estudos sobre a fauna da Amazônia foram apresentados no Auditório Paulo Cavalcante, no Campus de Pesquisa do Museu Emílio Goeldi (MPEG), em Belém. Para o coordenador da Pesquisa e Pós-Graduação (CPPG) do Museu Goeldi, Ulisses Gallati, o Seminário é uma boa oportunidade para os alunos pelo contato com os avaliadores externos e pela possibilidade de diferentes áreas da Zoologia se conhecerem melhor. “Esse seminário faz parte de um esforço em manter o curso como um dos melhores no Brasil”, conclui Gallati.

A Flona de Caxiuanã, os municípios de Apeú e Santarém, no Pará e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no Amazonas são alguns dos lugares pesquisados pelos alunos do Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Museu Goeldi.

A ecologia foi tema de diversos estudos. O doutorando José Moacir Ribeiro, por exemplo, tem orientação de Inocêncio Gorayeb (MPEG) e estudou a área de dez igarapés próximos ao Rio Apeú, no nordeste paraense com a finalidade de caracterizar, morfologicamente, os imaturos de Plecoptera (insetos aquáticos) da Amazônia brasileira, além de estudar a entomofauna aquática da bacia do mesmo rio. Já são dez espécies de três gêneros descritas, mas os números finais ainda podem ser alterados até o final da análise.

Ainda sobre a entomofauna amazônica, Anny Moura apresentou sua pesquisa de borboletas frugívoras do Tapajós. Com mais de mil indivíduos pertencentes a 71 espécies coletados, a autora demonstra a grande variação da diversidade das borboletas tanto nas manchas de hábitat como em floresta contínua em Alter do Chão, em Santarém, no Pará. Seu objetivo é testar o efeito do tamanho de área, o seu isolamento e a distância da estrada sobre a taxa de ocupação das espécies e composição da assembléia de borboletas do tipo. O estudo tem orientação de Ana Luiza Albernaz.

Sobre ecologia, mas estudando o pirarucu na Reserva Mamirauá, Lorena Almeida investigou a comunidade macrobentônica - componentes bióticos mais adequados para o estudo de impactos ambientais em ambientes aquáticos e para o monitoramento de longo prazo dos mesmos - nos lagos da Reserva, buscando revelar táxons indicadores de impacto ambiental do manejo da pesca do pirarucu. Dentre as conclusões preliminares do trabalho, a mestranda aponta que, nos lagos com intensa atividade pesqueira, existe maior diversidade na comunidade macrobentônica e sem diferenças significativas entre os períodos de seca e cheia. 

Mastofauna – Outro grupo de pesquisas foi composto por trabalhos sobre mamíferos, com destaque para a investigação de espécies de macacos ameaçadas de extinção. A mestranda Ana Carolina Guimarães, sob a orientação de Liza Veiga (MPEG), notou a necessidade de estudos mais detalhados para se conhecer a ecologia do cuxiú preto e contribuir com efetivos planos de conservação. A pesquisa de Ana Carolina se dedica à área de influência da UHE de Tucuruí (PA) de forma a comparar com resultados de estudos anteriores. 

Já no Amazonas, Marcelo Gordo realiza o estudo de doutorado com o objetivo de verificar os efeitos da fragmentação florestal sobre a densidade populacional e a densidade de grupos de saguim de coleira (Saguinus bicolor). Com a orientação de José de Sousa e Silva, o doutorando pôde verificar que a densidade de indivíduos e dos grupos aumenta em fragmentos florestais menores, mas as populações isoladas nesses fragmentos são pequenas, o que aumenta o risco de extinção local. 

Serpentes – Estudo que visa descrever a ecologia e história natural das serpentes do Parque Nacional da Amazônia (Parna) – localizado no município paraense de Itaituba, no oeste do estado -, vai verificar a influência de fatores ambientais na diversidade de serpentes. De autoria de Jossehan Frota, o trabalho tem a orientação de Ana Prudente e Maria Cristina Santos Costa, do Museu Goeldi. 

Frota empreendeu seis viagens a 24 das 84 parcelas a serem analisadas na pesquisa, onde foram coletados 187 espécimes de 56 espécies de serpentes, dentre as quais pode-se citar as serpentes peçonhentas corais verdadeiras e a jararaca.

Também sobre serpentes e com a orientação de Maria Cristina Santos Costa, o estudo de Débora Siqueira trata da reprodução, dieta e morfologia da espécie Mastigodryas boddaerti (cobra-cipó) a fim de verificar possíveis variações em populações de Cerrado e da Amazônia. Ao todo são 304 espécimes já analisados, dos quais 222 da Amazônia e 82 de Cerrado. A verificação apontará variações no dimorfismo - diferença de formas, coloração e tamanhos entre machos e fêmeas de uma mesma espécie - sexual e na reprodução.
Os resultados preliminares apontam que o ciclo reprodutivo das fêmeas não é sazonal na região amazônica, mas que tanto na população do Cerrado como na da Amazônia, os machos atingem a maturidade sexual com tamanho menor que as fêmeas, fator relacionado ao sucesso reprodutivo. Além disso, é possível afirmar que a dieta dessas serpentes se concentra em lagartos, em mamíferos, anfíbios e eventualmente de aves e ovos de répteis.

Cobra-cipó – Os trabalhos de Loana Nascimento e Dina-Mara Dias se destacam ao estudarem espécies de serpentes, popularmente conhecidas como cobras-cipó, que ocorrem na Amazônia. Loana desenvolve um estudo sobre a história natural de Chironius fuscus, espécie que está distribuída por diversos países sul-americanos, como Guiana, Peru e Colômbia, além do Brasil, no qual ocorre no Espírito Santo, na Bahia, em São Paulo, no Rio de Janeiro e por toda a Amazônia. Focando na biologia alimentar e reprodutiva da espécie, a estudante analisou amostras de todos os estados amazônicos, descobrindo que, por exemplo, nessa espécie a fêmea possui cauda maior que a dos machos, o que não é o padrão da família a qual pertence (família Colubridae). 

“Além de ajudar a conhecer melhor a diversidade das espécies amazônicas, essa pesquisa pode, no futuro, auxiliar na elaboração de trabalhos de conservação da espécie”, explica a estudante.

Já Dina-Mara começou, em 2010, um estudo sobre Philodryas olfersii (da família Dipsadidae), espécie que, segundo os resumos da pesquisa, também é popularmente conhecida como cobra-cipó. Assim como a Chironius fuscus, há uma carência de estudos sobre a história natural desta espécie, embora nos últimos tempos, venha despertando interesse cientifico e médico, sobretudo por conta das utilidades da peçonha. Na pesquisa, a jovem fará um levantamento da biologia reprodutiva e da dieta da espécie em diferentes regiões brasileiras.

Ambas as alunas são orientadas pela pesquisadora Maria Cristina Costa, do Museu Goeldi.. 

Anfíbios e coloração - O estudante de doutorado Darlan Tavares Feitosa apresentou o trabalho: “Sistemática e taxonomia das serpentes sul-americanas do gênero Micrurus Wagler, 1824, com padrão de coloração monadal (Serpentes, Elapidae)”. Em curso desde 2007, a pesquisa, já analisou 352 espécimes e fará a revisão taxonômica e sistemática das espécies corais monadais sul-americanas, redescrevendo todas as espécies válidas e descrevendo novos táxons, exercício essencial diante da história “confusa” da taxonomia do grupo. Esse estudo, foi muito elogiado pelo avaliador Ricardo Sawaya, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele é orientado por Ana Lúcia Prudente, do Museu Goeldi e co-orientado por Nelson Jorge da Silva Júnior, da PUC- Goiânia.

“Eu estou bem impressionado com o nível dos trabalhos. Além de estar aprendendo muito, eu acho que é muito importante pela uma oportunidade deles [os estudantes] ouvirem uma opinião externa de como estão os trabalhos. Estou gostando muito, achando um nível excelente. A diversidade de pesquisas e a abrangência, isso é impressionante, estou muito contente de ver isso”, avaliou Sawaya.

Tartarugas marinhas na Amazônia – Com foco nas tartarugas marinhas, o trabalho de Marcela Ramos faz avaliação e monitoramento sistemáticos da ocorrência e da captura incidental de tartarugas marinhas por artefatos de pesca na costa paraense, na Reserva Extrativista (Resex) Marinha Mãe Grande, localizada no município de Curuçá, no nordeste paraense.

São sete as espécies de tartarugas marinhas, das quais cinco ocorrem no Brasil e foram observadas na pesquisa de mestrado de Marcela, desenvolvida sob a orientação de Juarez Pezzuti, da UFPA. Todas as espécies são catalogadas como vulneráveis ou em perigo de extinção. A atividade humana é uma das grandes causas dessa ameaça, sendo a pesca a atividade mais lembrada nesse caso.  Pela relevância da pesca, foi que Marcela promoveu, na Resex, cursos de capacitação para as comunidades, que receberam fichas de identificação das espécies e fitas métricas para identificar e medir os indivíduos coletados, além de fazer um trabalho de educação ambiental. Foram registradas 69 capturas incidentais, com destaque para a espécie Chelonia mydas (tartaruga verde), o que demonstra a importância daquele litoral para a conservação das tartarugas marinhas. 

O tracajá – Também no grupo de quelônios, o estudo de mestrado de Marina Pignati buscou investigar a ecologia reprodutiva de Podocnemis unifilisI, otracajá, em uma área de várzea do baixo Rio Amazonas, no município paraense de Santarém. Sob a orientação de Pezzuti, a aluna analisa a seleção de sítios de desova e as principais causas de perda de ovos e filhotes, os efeitos das variáveis ambientais sobre a duração da incubação, taxa de eclosão e razão sexual e ainda a cronologia de eclosão e emergência dos filhotes do tracajá. 

Foram identificados 167 ninhos no Tabuleiro da Água Preta, na comunidade Água Preta, em Santarém. Deles, 76 foram perdidos por motivos diversos – ação humana, predação, erosão, invasão de gramíneas ou ninhos com ovos sem desenvolvimento aparente. Dentre os resultados preliminares, encontra-se padrão de seleção das fêmeas por locais mais altos, distantes da margem do rio, próximos à vegetação e com maiores coberturas vegetais, além de razão sexual com declinação para machos – sendo 33 ninhos compostos exclusivamente por machos. 

Abelhas - Conhecidas há mais de 40 mil anos as abelhas são insetos que vivem agrupados em colônias dentro de colméias. Thiago Nazareno Conceição de Jesus, orientado pelo pesquisador Felipe Andrés Leon Contreta, estuda espécie sem ferrão em estudo intitulado “Fatores reguladores da visitação floral em abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini) amazônicas: aprendizado espaço-tempo e competição entre espécies”.
O bacharel em ciências biológicas abordou a competição entre indivíduos da mesma espécie - Apidae, Meliponini. O comportamento funciona como “um importante mecanismo biológico”. A competição pode afetar a forma físicados indivíduos, além da “dinâmica das populações envolvidas, a distribuição e seus processos evolutivos, alterando a composição das comunidades biológicas ao longo do tempo”.

Além da competitividade entre as abelhas, Thiago pretende analisar a capacidade cognitiva das abelhas sem ferrão (Apidae, Meliponini), para verificar se há ou não a presença de aprendizado espaço-temporal em abelhas sem ferrão nativas da Amazônia, além de compreender como o aprendizado afeta os padrões de competição e divisão de recursos.

Moscas - Muito mais do que insetos que podem ser transmissores de doenças, as moscas podem ser muito úteis para analisar fatores ecológicos de uma região, uma vez que são indicadores de mudanças ambientais.
Rosângela Barreto Amador, que iniciou o mestrado em 2009, orientada pela pesquisadora do MPEG, Marlúcia Bonifácio Martins, apresentou o trabalho “Efeito da topografia e altura sobre a distribuição da comunidade de drosofílideos frugivoros (Diptera) na Floresta Nacional de Caxiuanã, Pará-Brasil”.
Rosângela pretende analisar a distribuição das espécies frugivoras de drosofilídeas em duas dimensões da floresta: estratos da floresta e cota topográfica, e relacioná-las às variações micrometeorológicas como: temperatura, umidade e pluviosidade. O estudo já triou e identificou cerca de 60% das amostras coletadas, com 7179 insetos contabilizados, dos quais 6989 são da família Drosophilidae, classificadas em nove grupos e 22 espécies.

Peixes – Especialista em recursos pesqueiros, Miguel Petrere Júnior, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) foi o avaliador de um conjunto de trabalhos sobre a ictiofauna da Amazônia. O estudo se dedica a investigar espécies de tipo estuarino da baía de Salinópolis, bem como os aspectos alimentares e reprodutivos de Bathygobius soporator. A estrutura e a composição da ictiofauna de poças de maré na Ilha de Algodoal-Maiandeua e os aspectos ecológicos do armado Pterodoras granulosus na foz do rio Tocantins também são objeto de outras duas pesquisas desenvolvidas pelos pós-graduandos. A variação espacial das assembléias de peixes em igarapés afogados da Amazônia Oriental e os aspectos ecológicos de espécies de piranhas em igarapés da Floresta Nacional de Caxiuanã também se constituem alvo de outras duas investigações.

Miguel Petrere Jr., da Universidade Estadual Paulista, disse estar muito contente com os estudos apresentados e com a certeza do sucesso do Curso de Pós-Graduação. Dentre os avaliadores externos estiveram ainda: Paulo De Marco Júnior, da Universidade Federal de Goiás; Cláudio Carvalho, Universidade Federal do Paraná (UFPR); Ângela Zanata, Universidade Federal da Bahia (UFBA); e Luiz Fábio Silveira, USP).

Texto: Vanessa Brasil, Lucila Vilar e Diego Santos.