terça-feira, 16 de novembro de 2010

Estudo mapeia áreas de Campinas mais vulneráveis à esquistossomose



Dissertação analisa o padrão espacial da ocorrência da doença no município

ISABEL GARDENAL/JORNAL DA UNICAMP
As doenças parasitárias, como a esquistossomose, estão entre as que apresentam comportamento epidemiológico mais fortemente ligado à existência de elementos do meio ambiente que, em maior ou menor grau, influenciam a sua ocorrência. É inclusive uma das principais doenças parasitárias de veiculação hídrica no mundo. A forma da ocupação humana dos espaços urbanos das periferias das grandes cidades, aliada à alta vulnerabilidade social, ainda associada a condições inadequadas de moradia, vem causando forte impacto na dinâmica da esquistossomose e de várias doenças emergentes e reemergentes no país. Em Campinas, local onde recentemente foi desenvolvida uma dissertação de mestrado na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo (FEC), o médico veterinário Cláudio Luiz Castagna chegou a 12 áreas geográficas de maior vulnerabilidade ambiental à doença, também chamadas “hotspots” endêmicos (ver quadro nesta página). O estudo analisou o padrão espacial da ocorrência da esquistossomose e do hospedeiro intermediário com o objetivo de compará-lo às condições ambientais e ao padrão atual de uso do território. A região do bairro Campo Belo foi tida como o principal hotspot endêmico do município. Segundo a professora da FEC Rozely Ferreira dos Santos, orientadora da dissertação, que abrangeu uma ampla escala temporal (de 1998 a 2006), isso talvez possa ser atribuído ao fato deste bairro conjugar várias características favoráveis à propagação da doença, como a presença de cultura irrigada, entulhos, lagoas com lazer intenso e contato íntimo com a água. Esses hots­­­­­­pots, salienta, fornecem a dimensão da vulnerabilidade para casos novos.
Castagna refere que, quando sobrepostos fatores ambientais que potencializam ou facilitam o aparecimento da doença, que é a presença do caramujo Biomphalaria, ou seja, o contato do homem com a água, foram encontradas áreas que concentraram mais tais fatores. “Assim sendo, é certo que a sobreposição induz o aumento da vulnerabilidade à doença.”
Santos é bióloga e responsável pelo Laboratório de Planejamento Ambiental (Lapla) da FEC, local onde são desenvolvidas pesquisas interdisciplinares, como a de Castagna. Ela conclui que este estudo, em alguns aspectos, pode ser comparável aos de vulnerabilidade ambiental para desastres. “Quando se tem um declive, por exemplo, pelo desmatamento, ele se torna mais vulnerável ao desbarrancamento por ocasião dos eventos de chuvas. É algo semelhante ao caso avaliado, pois nele está sendo medida a vulnerabilidade de uma área mais exposta aos casos novos de esquistossomose.”
Mapeadas essas áreas, diz a orientadora, é possível realizar intervenções. Apesar de serem identificadas 12 áreas de vulnerabilidade ambiental para esquistossomose – os hotspots endêmicos –, viu-se que a distribuição da doença no município não foi homogênea. Ao contrário, sua vulnerabilidade se concentrou em alguns pontos. Por isso Castagna propôs a base de um plano de manejo ambiental para as gestões públicas promoverem o controle da doença.
Para o ecólogo Francisco Anaruma Filho, co-orientador da dissertação e pesquisador do Lapla, a vigilância em saúde na cidade deve ser mais incentivada ainda nas áreas dos hotspots. Atividades de planejamento, cita, concorrem para antecipar o aparecimento de eventuais surtos da doença, nos lugares mais tendentes à sua disseminação, principalmente devido a todas as condições ambientais sobrepostas na mesma região.
A finalidade da investigação de mestrado foi medir a influência do meio ambiente sobre a ocorrência de uma doença, sob o olhar da ecologia da paisagem. “Existe uma série de doenças no ser humano influenciada pelos elementos ambientais. Não é de hoje que isso é sabido. Alguns casos típicos são doenças como a malária e a leishmaniose”, expõe o veterinário. A ocorrência desses casos, em grande medida, depende do contato de uma população humana com um ecossistema silvestre, natural, completa Anaruma Filho.
O próximo passo será a utilização desse modelo para tentar identificar áreas de risco, desta vez de leishmaniose visceral, que avança muito no Estado de São Paulo. “Serão propostas áreas de alerta para essa endemia que está chegando. Campinas inclusive já mostra alguns casos em cães. Vamos agilizar o processo, o mais rapidamente possível, para estabelecer áreas vulneráveis à doença, antes que os casos comecem a aumentar”, adverte o pesquisador.
Notificação
Castagna sublinha que a epidemiologia analisa a dinâmica da ocorrência das doenças através dos casos humanos notificados, dando pouca ênfase aos fatores ambientais. Mas a ideia do veterinário foi mensurar e compreender como a dinâmica dos elementos do meio ambiente são capazes, dentro de uma estrutura, de contribuir para a ocorrência da doença.
A escolha da esquistossomose não foi obra do acaso, já que se trata de uma doença ambiental muito recorrente no Estado de São Paulo. Em Campinas, de acordo com Anaruma Filho, nos últimos anos têm sido notificados em média entre 100 e 120 casos anuais de esquistossomose. Ele, porém, faz uma ressalva: “nem todos os casos necessariamente foram adquiridos na cidade (autóctones), posto que inexiste um registro dessa quantidade”. Além do mais, muitos casos são subnotificados. Já o trabalho de Castagna baseia-se justamente nas notificações.
Uma de suas tarefas consistiu em identificar, por meio da análise da estrutura da paisagem, áreas vulneráveis à ocorrência de focos da doença. Castagna comenta que o controle da doença baseado na eliminação dos hospedeiros intermediários é mais complexo, por exemplo, do que o controle que se faz com a dengue, pela grande dificuldade de eliminar o caramujo. As medidas profiláticas basicamente se restringem a ações preventivas realizadas pelos centros de saúde.
Modelo
Anaruma Filho conta que, na fase de criação do modelo, a fim de entender como seriam medidas as características da paisagem que influiriam na doença, Campinas passou pelo mapeamento dos locais mais propensos à esquistossomose. Foi estudado o município todo.
É óbvio, realça o ecólogo, que no centro da cidade as áreas de vulnerabilidade para esquistossomose, por serem essencialmente urbanas e com saneamento básico, são menos vulneráveis. “Já a Lagoa do Taquaral, que é uma área de grande vulnerabilidade, mostra-se completamente saneada. As pessoas não tomam banho ali e então a chance de desenvolver a doença é muito baixa na região”, afirma. No geral, a constatação foi que os locais com maior chance de serem atingidos são as regiões mais periféricas da cidade.
As áreas concentradoras de características ambientais propícias à disseminação da doença, pontua Santos, foram exatamente as áreas onde notou-se concentração de pessoas que tinham, ou tiveram, a doença e um dia fizeram notificação no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan). Este procedimento é algo comum quando realizado o diagnóstico da esquistossomose. O clínico tem por rotina notificar a doença. A partir desse cadastro, aborda ele, faz-se uma pontuação e consegue-se localizar as residências dessas pessoas. Todavia não se pode garantir que elas adquiriram a doença nestes locais.
“Observamos que a nossa proposta metodológica era consistente e, assim, convidamos a Secretaria de Saúde para passar por um treinamento na Unicamp e se qualificar para o uso de softwares de domínio público, capazes de reproduzir o modelo e serem adotados por prefeituras de pequeno e de grande porte. Nós ainda usamos softwares um pouco mais sofisticados”, revela Santos.
Se essas pessoas não foram tratadas adequadamente ou mesmo não sofreram qualquer tipo de tratamento, elas precisam saber que estão exatamente no lugar onde o problema é de fato maior. “Podem estar contaminando um ambiente vulnerável, e a chance da doença se concentrar e se propagar nas regiões mais vulneráveis também é muito maior”, aponta Castagna. Sua esperança é que o seu trabalho seja aplicado pelos gestores municipais, a fim de ser aproveitado para reduzir o risco da ocorrência da esquistossomose no Estado de São Paulo.
Contaminação se dá por meio de larvas
A transmissão da esquistossomose prescinde que o indivíduo tenha contato com coleções de água como lagos, riachos, pequenas represas ou um rio de águas pouco turbulentas que contenha caramujos de espécies que estão parasitadas. A contaminação se dá por meio das larvas liberadas pelos moluscos infectados, que penetram ativamente na pele do indivíduo e, ali alojadas, iniciam um ciclo que se completa em veias do abdômen, que levam o sangue das paredes do intestino para o fígado. Seguem-se a fase em que o baço aumenta de volume e, a mais grave, de formação de varizes no tubo digestivo, do esôfago até o ânus. Em geral, o hospedeiro é um mamífero (o ser humano), embora possam haver casos de contaminação de alguns animais, como os ratos, que poderiam servir de reservatório. Contudo estas infecções são raras. São até possíveis teoricamente, porém não é o que se encontra comumente.

Regiões mais vulneráveis
(segundo regiões por ordem decrescente)
Campo Belo/São Domingos
Parque Oziel/Monte Cristo/Bandeiras
São Marcos/Santa Mônica
Campos Elíseos/Perseu Leite de Barros
Campo Grande
Ouro Verde/Jardim Aeroporto
Centro/Cambuí
Barão Geraldo
São Fernando/Carlos Lourenço/
Baronesa/Tamoio
Jardim Eulina
Sousas
Taquaral/Parque São Quirino