sábado, 24 de julho de 2010

DESCONFORTO QUE NÃO SE SENTE

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Pesquisa indica que usuários de praças e parques se sentem confortáveis, mesmo quando os índices medidos mostram grande desconforto térmico


Por Alex Sander Alcântara/FAPESP


Algumas características ambientais de praças e parques, como temperatura, umidade relativa do ar, radiação solar, presença e localização de equipamentos, podem influenciar a utilização desses espaços públicos abertos.
Uma pesquisa realizada na Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e na Universidade Estadual Paulista (Unesp) caracterizou os microclimas e as condições de conforto térmico em espaços públicos de permanência (arborizados e áridos) e de passagem em três cidades do interior paulista: Campinas, Bauru e Presidente Prudente.

De acordo com Lucila Chebel Labaki, professora titular da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp, o confronto entre as condições de conforto real e calculado e a percepção dos usuários em relação à sensação e à satisfação térmica aponta uma diferença significativa entre os espaços.
"O que nos chamou a atenção é que, apesar de os dados calculados evidenciarem de uma maneira geral um grande desconforto térmico nesses espaços, causado pelo frio ou calor, a maioria dos usuários relatou se sentir confortável", disse Lucila à Agência FAPESP.
Segundo ela, o estudo sugere que o prazer de estar em espaço público, associado ao tempo livre, decorre de uma somatória de fatores, dentre os quais o microclima, mas esse não é decisivo para a percepção de conforto.
Lucila coordenou a pesquisa "Conforto térmico em espaços públicos abertos: aplicação de uma metodologia em cidades do interior paulista", apoiada pela FAPESP por meio da modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular.
Colaboraram com o estudo as professoras Maria Solange Gurgel de Castro Fontes, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da Universidade Unesp em Bauru, Carolina Lotufo Bueno Bartholomei, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Unesp em Presidente Prudente, e alunos da pós-graduação e graduação.
Além de caracterizar os espaços escolhidos, o estudo monitorou condições microclimáticas (temperatura do ar, umidade relativa e velocidade do ar, radiação solar) ao utilizar o índice PET (Temperatura Equivalente Fisiológica, da sigla em inglês), que engloba uma série de fatores – como temperatura, umidade relativa do ar, radiação solar, entre outros – para avaliar o conforto térmico.
Além disso, também foram aplicados questionários junto aos usuários dos espaços para identificar a sensação e satisfação térmica em diferentes condições de tempo (frio e seco, quente e úmido, quente e seco).
Segundo Lucila, o conforto térmico depende de quatro fatores ambientais: temperatura do ar, temperatura radiante média, umidade relativa do ar e velocidade do ar.
Temperatura radiante média é o valor médio entre a radiação térmica que incide sobre as superfícies do local – objetos e seres vivos –, e as aquece, e a radiação que elas emitem de volta para o ambiente. Já os fatores pessoais que influem no conforto térmico são roupas e atividade física.
Segundo Lucila, a avaliação do conforto térmico nesses espaços requer não apenas o conhecimento das condições microclimáticas, que são importantes para cálculos térmicos. "Exige-se também a análise dos aspectos de cada ambiente e de como influenciam os usos, o tempo de permanência e a percepção dos usuários sobre o lugar", indicou.
Foram analisados três tipos de locais na área urbana de cada cidade, entre 2008 e 2009, levando-se em conta os espaços de permanência com relação aos de passagem e arborizados ou pouco arborizados (áridos).
Em Campinas, foram escolhidos o Parque Portugal (conhecido como Parque Taquaral), a Praça Imprensa Fluminense (que abriga o Centro de Convivência) e a Praça Largo do Pará.
Em Bauru, as análises foram feitas na Praça da Paz, no Bosque da Comunidade e no Calçadão da rua Batista de Carvalho. Em Presidente Prudente, as áreas escolhidas foram a Praça Nove de Julho, o Parque do Povo e o Calçadão da rua Tenente Nicolau Maffei.
A partir de uma estação meteorológica móvel desenvolvida para o projeto no Laboratório de Conforto Ambiental e Física da Unicamp, os pesquisadores verificaram que a sensação térmica variou entre as categorias de espaços públicos abertos.
Para os espaços de permanência "arborizados", a sensação de neutralidade térmica (nem quente nem frio) ocorreu em 62% da amostra. Dentro da faixa de temperatura de neutralidade térmica medida pelo índice PET (no intervalo de 18º C a 26º C), o percentual aumentou para 70,8%.
Nos espaços de permanência "pouco arborizados", a sensação de neutralidade foi de 42% e de 51,5% na mesma faixa PET. Já para os espaços de passagem a sensação de neutralidade térmica foi verificada em 45% da amostra e, para o intervalo do índice PET, o percentual elevou-se para 59,5%.
A análise geral dos resultados indica que 51% dos indivíduos consideraram-se "termicamente neutros" nos vários espaços e condições climáticas avaliados, e para o intervalo de temperatura de neutralidade no índice PET o percentual de satisfeitos foi de 61%.
Espaços planejados
Segundo Lucila, as características físicas dos espaços públicos abertos alteram as condições microclimáticas, influenciando no comportamento dos usuários e na dinâmica de uso dos espaços. "Em espaços arborizados há maior possibilidade de conforto térmico e a faixa de neutralidade para a sensação térmica é mais ampla do que para os demais espaços", explicou.
"Pudemos observar que existe necessidade de um planejamento melhor de praças e de outros ambientes de espaços abertos, de modo que possam ser utilizados com maior conforto pela população", disse.
De acordo com a professora da Unicamp, um dos objetivos da pesquisa é poder auxiliar em projetos urbanísticos de áreas externas. O uso da vegetação e a escolha de materiais que compõem parques e praças são de extrema importância em projetos urbanísticos. "A sombra da árvore é muito diferente do sombreamento de um prédio, por exemplo", destacou.
Em outro estudo de Lucila apoiado pela FAPESP, concluído em 1999, com cinco espécies que arborizam áreas urbanas de Campinas (SP) – sibipiruna, ipê-roxo, magnólia, chuva-de-ouro e jatobá –, a pesquisadora verificou que todas as árvores analisadas reduziam bastante os efeitos da radiação solar e ofereciam maior conforto térmico.
As análises nos espaços nas três cidades no interior de São Paulo permitiram identificar um melhor desempenho para as áreas arborizadas.
"Isso não apenas pelas características microclimáticas, mas também porque os espaços mais arborizados oferecem mais opções de permanência, pela disponibilidade de mobiliários e equipamentos de lazer e exercícios, por exemplo", disse.
Por outro lado, segundo Lucila, os aspectos que mais contribuíram para o comprometimento da qualidade dos espaços pouco arborizados, além do microclima, foram a quantidade e qualidade dos bancos, localização inadequada e uso de materiais menos confortáveis para tais assentos, como concreto.
A pesquisadora salienta que, embora a arborização contribua para o conforto térmico não há uma relação direta entre melhor conforto e arborização. "Mas nos espaços analisados observou-se essa relação. Pode ser que uma maior preocupação do poder público com a arborização de uma área implique maior cuidado com os outros aspectos", destacou.